Procurando aleatoriamente algo para assistir na Netflix num fim de semana qualquer, sem muita paciência para filmes mais densos, me deparei com um documentário sobre uma big festa nas Bahamas, o Fyre Festival. Na verdade, um festival que nunca aconteceu.
A história, resumida, é a seguinte: um playboy megaempresário, a fim de promover um aplicativo de músicas de sua recém criada empresa, a Fyre Media, começa a divulgar um festival de luxo nas Bahamas, numa ilha que dizia ter pertencido a Pablo Escobar e que declarava ter comprado.
Nos vídeos promocionais do festival, o rapper Ja Rule, famoso nos Estados Unidos, juntou-se a ele, e foram incluídas dezenas de modelos internacionais, como Bella Hadid e Hailey Baldwin, hoje esposa de Justin Biebber.
Uma ilha paradisíaca com belíssimas mulheres em iates, se divertindo. Muita gente famosa, chamadas de vídeo mostrando o melhor das Bahamas. Começaram as vendas de ingressos. Muitos famosos e anônimos em alvoroço nos Estados Unidos.
O festival prometia semanas em bangalôs luxuosos, iates, grandes celebridades da música e muita diversão e ostentação. Basicamente, após a divulgação, o megalomaníaco Bill McFarland, o CEO e idealizador do festival, contrata profissionais da área da mídia, da música, de eventos, que compraram sua ideia e arregaçaram as mangas na organização. Um frisson só. Bill já contava com investidores que acreditavam nele, já que em 2013 havia fundado o Magnises, um “clube voltado para a geração do milênio”, que consistia num cartão super exclusivo que abria as portas da nata americana.
Um jovem inovador, filho de incorporadores, com ideias mirabolantes de sucesso. O festival estava marcado para abril e maio de 2017. Semanas de uma vida única, especial, exclusiva.
Até os verdadeiros donos da ilha, que era alugada, descobrirem e determinarem a sua desocupação. Primeiro problema: encontrar uma nova ilha em curto período de tempo. Os colaboradores, desesperados, encontraram então a ilha de Great Exuma, não tão paradisíaca, por ser habitada. Transferiram o festival para um canto desta nova ilha e continuaram trabalhando nos preparativos.
Quanto mais se aproximava a data, mais problemas apareciam. Organização, acomodações, transporte aéreo e terrestre, alimentação, superlotação. Enquanto a equipe se desesperava, Bill convencia a todos que ia dar tudo certo, que algumas poucas mudanças não iam ofuscar o brilho do festival. E convenceu muita gente.
O cenário não era o mesmo das filmagens. Agora era um canto de uma ilha habitada, com construções cercando o espaço do festival. As cabanas luxuosas foram substituídas por barracas de acampamento. A empresa que entregaria as refeições finíssimas cancelou o contrato, assim como várias estrelas da música. Motivo: falta de pagamento.
Neste momento, enquanto a produção parecia um campo de guerra, os trabalhadores contratados na ilha se matavam para, literalmente, levantar os acampamentos, o público começava a chegar.
Os “influencers” e “vips” estranharam desde o avião comercial que aguardava para levá-los à ilha (esperavam os românticos bimotores e jatinhos, bem ao estilo ilha da fantasia e bem mais exclusivos e caros).
E, finalmente, na ilha, o caos se instalou. Ninguém acreditava que ficaria em barracas de acampamento e não em bangalôs ao estilo Bahamas vip. Filas na sede do evento para entender o que estava acontecendo, quebra-quebra nas barracas, roubos, gente perdida, centenas de pessoas dormindo no aeroporto minúsculo. E então o anúncio: não haveria festival. Estava cancelado.
Vários colaboradores, em seus depoimentos, dizem que estavam prevendo e avisando a tragédia que seria o evento meses antes. Vários pularam do barco e vários foram demitidos por causa do “pessimismo”.
A cereja do bolo: com o fiasco, descobriu-se que Bill era um golpista. Vivia de vender sonhos extravagantes, arrecadar investimentos e encobrir com novos golpes. Os investidores perderam dinheiro, colaboradores também. E os trabalhadores nunca receberam pelos serviços prestados, nem o público pelos ingressos caríssimos que lhes dariam direito a áreas exclusivas e outras maravilhas.
Bill foi preso, e ao final do documentário, após sua saída da prisão, foi encontrado planejando novos eventos, usando um laranja para enviar ofertas de ingressos para eventos exclusivos, como o Met Gala, baile tradicional de Nova York, que não tem ingressos à venda. Apenas uma seleta casta de celebridades convidadas.
Moral da história: quando se tem um megalomaníaco no comando, sem experiência em gestão e escolado em falcatruas, você até pode ser convencido por um tempo, dependendo da lábia do interlocutor, mas quando tudo aponta para o caos, só os loucos e desonestos permanecem fiéis a uma ideia furada, e geralmente pagam a conta, que vem bem alta.