Nova Prata, 23 de Março de 2023

A difícil arte de voluntariar-se

Certa vez, quando tinha entre seis e sete anos de idade, eu acordei na madrugada e fui ao quarto de meus pais. Não havia ninguém, nem debaixo da cama. Por causa do barulho de música no centro comunitário da cidade de Itapura, que era justamente ao lado de minha casa, eu, naquela madrugada, me dirigi ao baile a procura de meus pais. A banda que estava tocando era Brancão e Seu Conjunto. Bons tempos!
Meus pais estavam no baile. Abro parêntese para deixar bem claro ao Conselho Tutelar, se bem que acho que esse abandono de incapaz já prescreveu, que eles não estavam dançando, mas trabalhando como voluntários. Por estarem na bilheteria, logo que saí de casa rumo ao forró, meus pais já me avistaram. Uma outra vez, na festa de aniversário da cidade de Itapura, estava programado um show da dupla César e Paulinho. Por causa da chuva, naquele dia, o show não pode ser realizado no palco central da Festa de Peão. Teve que ser transferido para a barrada da Promoção Social, que era a maior barraca da festa e justamente onde meus pais trabalhavam voluntariamente como garçons. Eu assisti todo o show, no palco. Hora ao lado da dupla, hora puxando a barra da calça de um dos cantores.
Uma outra coisa que já presenciei, várias vezes, e somente anos depois, entender e me orgulhar, que meu pai era o único eletricista, na cidade, da concessionária estadual responsável pela distribuição de energia. Muitas vezes, quando ia “cortar a luz” de uma casa, por falta de pagamento, ele não só não cortava como acabava pagando a conta. Isso aconteceu inúmeras vezes.
Tudo isso não são apenas lembranças. São exemplos que meus pais deram a mim e ao meu irmão que, consciente ou inconscientemente, nós praticamos até hoje.
Na maioria das vezes que eu realizo um trabalho voluntário, eu recebo agradecimentos. Só que na verdade, em todas as vezes sou eu que tenho que agradecer, porque os ganhos são infinitamente maiores que os esforços. Em função de trabalhos voluntários na adolescência, ganhei inúmeros amigos. Devido a trabalhos voluntários realizados durante a graduação, sendo um deles como coordenador de um curso gratuito preparatório para vestibulares, destinados a afrodescendentes, eu abri um leque de contatos na universidade. Os professores que trabalhavam comigo eram de graduandos a doutores. Após a graduação, durante o mestrado, realizávamos arrecadações de brinquedos e também eventos nos dias da criança.
Agora, pergunte: se ao realizar trabalho voluntário nós temos inúmeros benefícios, por que mais pessoas não o fazem diuturnamente?
Respondo: porque, por mais impensável que pareça, quem arregaça as mangas para trabalhar voluntariamente, recebe críticas e trabalhos extras desnecessários. Isso mesmo! Faça um teste: limpe parte do canteiro público a frente de sua casa. O tempo para receberes a primeira crítica será uma fração de segundos após alguém se incomodar com sua atitude. Isso mesmo, terão pessoas incomodadas. Experimente promover um evento para crianças na praça de sua cidade e verás quantas pessoas trabalharão para que você não receba a autorização, mostrando todos os empecilhos que seu evento irá provocar.
Outro exemplo prático que corrobora isso é o que passa a Associação Amiga dos Animais (AAMA) de Nova Prata. Como que um trabalho voluntário que gera benefícios diretos e indiretos à cidade ainda recebe críticas não construtivas? É visível que parte das críticas são oriundas da desinformação. Mas não só! Outras são daquele incômodo que comentei anteriormente.
Nossa pequena cidade (Nova Prata) possui inúmeras organizações, associações e instituições que realizam trabalhos voluntários e necessitam de pessoas para ajudar. Talvez o que o incomodado precisa (ou deveria fazer) é arregaçar as mangas e procurar uma delas. Garanto que terá tanto trabalho que faltará tempo para críticas não construtivas.

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