Nova Prata, 28 de Março de 2023

- em Entrevista

Especial 35 anos: Reflexões sobre o passado, olhares para o futuro

Entrevista com Solon Saldanha, fundador do jornal Correio Livre
Solon Saldanha
Solon Saldanha /

O ditado popular diz que “o bom filho à casa torna”. Mas o jornalismo busca o incomum, a inversão de valores. E, desta vez, é o criador quem volta para casa. Em entrevista ao Correio Livre, concedida por e-mail, o jornalista e professor universitário Solon Saldanha fala sobre a criação deste jornal e sobre perspectivas para o futuro do jornalismo.

 

Qual é a sua trajetória no jornalismo?

- Me formei em 13 de janeiro de 1984, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Porto Alegre. Antes mesmo de concluir o curso, apesar de estágios ainda serem proibidos naquela época na minha área, em função da ditadura militar, trabalhara informalmente em jornais alternativos. E consegui inclusive atuar, tendo ingressado via área comercial, na Rádio Continental, que era vanguarda em termos de programação e pertencia à Rede Globo. Também publicava notas semanais sobre o Movimento Espírita, no Correio do Povo e auxiliava em publicações para público dirigido, como jornais de bairro e de instituições, tais como o Servir, o Z-Quatro e o Mercado Público, para os quais escrevia reportagens e crônicas. Trabalhei ainda na assessoria de imprensa da Secretaria Municipal dos Transportes.

Em julho de 1984 vim para Nova Prata, para assumir a gerência geral da Rádio Prata, na ocasião dirigida por Arlindo Paludo e João Carlos Schmidt, com participação de Geraldo Agostini. Algum tempo depois comecei a fazer parte do grupo que mantinha a Folha da Serra, mas o jornal infelizmente não teve continuidade. Fundei o Correio Livre e fui gerente de programação e jornalismo na Coroados FM.

Anos mais tarde, me mudei para Lajeado, ao aceitar convite para ser redator-chefe de O Informativo, um diário que tinha grande circulação regional. Eram cerca de 90 funcionários, sob minha responsabilidade direta. Durante oito anos participei de um programa de debates na Rádio Independente; fui secretário de Comunicação em município próximo; fundei o Jornal do Vale; e, fora da minha profissão, me tornei diretor parlamentar na Câmara Municipal.

Depois disso tudo retornei para Porto Alegre, onde permaneço, para dar aulas nos cursos de comunicação e de design na UniRitter. Participei com redação geral, diagramação ou elaboração de capítulos em alguns livros. E hoje sou blogueiro, escrevendo dia sim, dia não, em virtualidades.blog. Também estou envolvido no projeto da Rede Estação Democracia, que tem âmbito estadual. E comecei a fazer um comentário semanal nas manhãs de quintas-feiras, ao aceitar convite dos amigos da Ativa FM, numa volta às origens pratenses.


O que o levou a fundar o jornal Correio Livre?

- A vontade de ter um meio de comunicação que pudesse cumprir de fato um papel social, podendo auxiliar a comunidade e seu desenvolvimento, sem estar comprometido com pontos de vista pré-estabelecidos. No interior do Rio Grande do Sul (RS) sempre houve a tradição das publicações terem origem partidária, um lado. Não que isso seja errado, mas é fator limitante. Muitas localidades tinham um jornal único, que se impunha e impedia o surgimento de outros. Ou havia uma segunda possibilidade: eu poderia citar agora dezenas de cidades onde até hoje existem dois jornais, um de situação e outro de oposição. E eu, recém formado e ainda jovem, tinha esse sonho utópico, de fazer diferença. O próprio nome foi escolhido em função disso. Correio, em homenagem ao jornal da Caldas Júnior (Correio do Povo), que lutava na ocasião para sobreviver – hoje ele é uma caricatura perto do que já foi, quando tinha uma relevância enorme para nossa cultura, história e identidade –, e Livre, porque essa era a ideia que deveria sempre nortear a publicação.


Quais foram os momentos mais marcantes que viveu no jornal Correio Livre?

-Essa pergunta é mais difícil de ser respondida. Eu teria que me debruçar sobre os arquivos ou tentar puxar detalhes lá do fundo da memória. Porque para mim, que fazia isso muito mais por prazer do que como negócio, tudo parecia e parece ser importante. Mas acho que fizemos coisas diferentes, ao longo do tempo. Havia preocupação em valorizar as manchetes; de não ser meramente informativo, mas também um pouco interpretativo; de ser mais jornalístico do que comercial. Também utilizamos muitas ilustrações e cartuns, uma tarefa na qual o colega e amigo Augusto Bier foi fundamental.

Promovemos as pioneiras festas de premiação de pessoas e instituições que mereciam destaque na comunidade, sempre poucas e relevantes, para não banalizar; demos apoio a iniciativas como o fantástico Congresso Nacional de Poesia, que poderia ter mantido a cidade com destaque nacional, pelo ineditismo; investimos em coberturas regionais; demos forte apoio ao esporte, estando sempre ao lado da Galera, do Grêmio Pratense e do recém fundado Automóvel Clube; e também havia as campanhas que se abraçava, como contra a violência, pela melhoria das estradas, pela vinda de mais recursos públicos do Estado e da União. Na certa, se eu pensasse mais um pouco, esta lista iria crescer bastante.

 

Como avalia as mudanças sofridas pelo jornalismo, sobretudo nos veículos impressos, nesses 35 anos?

- Foram imensas as mudanças, tanto no que se refere ao exercício profissional quanto a aspectos técnicos. Para que tenham uma ideia, quando o Correio Livre nasceu nem se tinha computadores nas redações em geral. Mesmo em grandes jornais, isso estava recém começando.

No nosso caso, usávamos uma máquina de escrever elétrica, com as tiras com texto sendo coladas numa folha de papel tamanho A3 depois, para ser a base de um fotolito. A grande revolução era poder receber notícias via fax. Máquinas fotográficas digitais não existiam e nem sequer celulares. Toda essa evolução tecnológica facilitou e barateou o processo.

Por outro lado, depois de ter tornado muito fácil se diagramar e imprimir jornais, esse avanço está agora ameaçando a sua sobrevivência. Porque a tendência é a substituição do papel pelo digital. Isso é praticamente inevitável. Já está acontecendo entre os maiores, que antigamente eram volumosos, tinham grandes cadernos de classificados. Mas a praticidade para os leitores, a questão ambiental pressionando a produção de papel, a dificuldade na distribuição do produto físico, que restringe a área territorial de abrangência, tudo conspira contra. Acho que é uma questão de tempo. Como sempre, algo parte dos grandes centros para os menores. Mas vai terminar atingindo todos.

Quanto aos jornalistas, esses antes tinham uma formação eminentemente humana, com disciplinas como sociologia, psicologia, antropologia, história e muitos semestres de português. Você tinha que saber escrever bem, com o mínimo de erros e o máximo de estilo, ao mesmo tempo em que precisava conhecer profundamente o funcionamento da sociedade.

Hoje estão formando mais técnicos, que sabem operar todos os aparelhos que estão disponíveis, mas que têm maiores dificuldades em termos de saber o que perguntar, como analisar respostas, como expor as questões relevantes com a profundidade que merecem. Tudo está mais superficial e repetitivo.


Mais especificamente quanto à linha editorial dos jornais, mudou algo?

Sim, as coisas sempre mudam com o passar do tempo. E ficar diferente não significa necessariamente estar melhor ou pior. Os interesses dos leitores vão se alterando e eles ditam, de certa forma, aquilo que se deve escrever. Mas essas mudanças não são uniformes em todos os lugares. Teria que se examinar cada caso sobre o qual se quisesse opinar. Genericamente, entendo que aos jornais do interior o que ainda não sofreu alteração significativa foi o pouco espaço para expressar opinião, para posicionar-se. Aquilo que é assinado, por exemplo, deveria ser mais forte, algo capaz de propiciar debate, pois apenas do confronto civilizado de ideias é que se estabelece condições de evolução. Não fazer isso é ficar muito parecido com a concorrência, não aproveitando oportunidade de se destacar. Só informar que algo vai acontecer e, na edição seguinte, contar que realmente aconteceu, é muito pouco.

Na sua opinião, qual é a importância do jornalismo para a sociedade?

- Minha resposta pode ser considerada tendenciosa, por eu ser jornalista, mas acredito que é muito grande e deve ser cada vez maior. Um paradoxo, porque acabei de dizer que os jornais impressos tendem a desaparecer, migrando para os meios digitais, onde estão tantos não jornalistas. Mas, a multiplicidade dos meios de acesso à informação, vai exigir mais do que nunca a presença de verdadeiros profissionais no processo que queira ser levado a sério. As pessoas tendem a acreditar que hoje qualquer um pode ser jornalista, bastando estar no lugar certo, na hora certa, com um celular que permita gravar vídeo e áudio. Mas não é assim. Essas pessoas são testemunhas de acontecimentos e podem e devem ser consideradas fontes. Apenas isso: fontes. Porque não basta se mostrar um fato, apesar de toda a importância que possa ter isso. Jornalismo é muito mais. É analisar causas e consequências desse fato, é ir além da informação primariamente dada, oferecendo conteúdo. É ouvir opiniões das pessoas certas e saber quando e como levar isso ao conhecimento público. É entender que o exercício profissional competente e ético contribui para a melhoria da sociedade, do mundo no qual vivemos.

Galeria de Imagens
Solon Saldanha (à esquerda) na cerimônia de entrega do troféu Correio Livre, que era entregue com uma caricatura da pessoa, gravada em metal. Na foto, Paulo Minozzo e Lino Cherubini.
Solon Saldanha (à esquerda) na cerimônia de entrega do troféu Correio Livre, que era entregue com uma caricatura da pessoa, gravada em metal. Na foto, Paulo Minozzo e Lino Cherubini.
Solon Saldanha e Augusto Bier (parte superior da foto) com os pratenses Rogério Krüger e Gilberto Nery (in memorian)
Solon Saldanha e Augusto Bier (parte superior da foto) com os pratenses Rogério Krüger e Gilberto Nery (in memorian)