Nova Prata, 28 de Março de 2023

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Mães relatam experiência do nascimento durante a pandemia

A distância de familiares e de amigos durante a gravidez e a insegurança gerada pela pandemia são comuns às mães que tiveram uma gestação durante este período

A pandemia do coronavírus provocou sensações distintas em cada pessoa. O isolamento e a saudade da convivência com outras pessoas, o medo de contrair o vírus e não saber como a sua família seria afetada, a preocupação com o emprego e os negócios, ou pior, a dor da perda de alguém querido. Cada um de nós vive essa experiência de forma única, ainda que estejamos atravessando esse momento juntos.

No meio de tudo isso, porém, é possível encontrar amor, alegria e vida — novas vidas. Neste especial de Dia das Mães, trazemos relatos de mulheres que tornaram-se mães durante a pandemia, uma das experiências mais humanamente desafiadoras (e, talvez, transformadoras) que as mulheres podem atravessar. De alguma forma, todas elas nos lembram de que, apesar da pandemia e de todas as dificuldades que ela impôs, a vida continua.

 

Preocupação redobrada

Roberta Moretto desejou por muito tempo ser mãe, até que, em dezembro de 2019, descobriu que estava grávida da Anna Luiza. Na mesma época, ouvia-se falar dos primeiros rumores sobre o coronavírus.

Roberta é coordenadora dos serviços de apoio do Hospital São João Batista (HSJB). Depois que os primeiros casos chegaram em Nova Prata, todas as gestantes da instituição foram afastadas. Entretanto, isso não foi o suficiente para reduzir a insegurança sentida por Roberta.

- Não tinha nenhuma pesquisa ainda relacionada a gestantes e nós precisamos ir em busca de informação para saber dos riscos com relação à covid-19.

Recentemente, as gestantes foram incluídas no grupo de risco à forma grave da doença.

 

Gravidez em casa

A saudade dos amigos e familiares e a falta que faz o carinho das pessoas queridas foram citados por Roberta, que passou a gestação praticamente reclusa em casa, com seus pais.

- O que mais senti falta foi do carinho das pessoas mais próximas, de poder abraçar e de entregar ela nos braços dos parentes - conta Roberta.

Muito antes de gestar o filho, Marieli Marchesini gestou o sonho de ser mãe. Depois de tentar engravidar por três anos, ela encontrou uma experiência muito diferente da sua expectativa.
- Se não existisse esse vírus, seria tão diferente - lamenta.

 

"Até hoje tenho amigas que não conhecem pessoalmente a minha bebê, porque a insegurança que a gente vive não permite que elas venham aqui."

— Roberta Moretto


Marieli não teve o sonhado chá de fraldas. Em vez disso, a forma que encontrou para celebrar foi uma “charreata”: as suas amigas passaram em frente da sua casa de carro, buzinando. Na ausência do toque, o barulho expressou a presença e o apoio das amigas.

- Não foi nem um por cento do que eu imaginava. Isso frustrou um pouquinho - diz Marieli.

O mesmo aconteceu com Roberta Deconto, que planejava ter um segundo filho e a pandemia não atrapalhou os seus planos. Ela descobriu a gestação do Mateus em julho do ano passado e fez um pequeno chá de fraldas, para menos convidados do que gostaria, em janeiro deste ano, quando os casos confirmados de coronavírus estavam diminuindo.

Quando o seu bebê nasceu, o Estado entrou em bandeira preta.

 

Nascer em meioao medo

Quinze dias antes da cesárea, Marieli parou de trabalhar e ficou em casa para evitar contrair o coronavírus. Ela também tinha medo de positivar para a covid-19 no hospital — o que acabou acontecendo com o seu marido. Quando o pequeno Eduardo tinha seis dias de vida, o seu pai começou a apresentar sintomas e teve que ficar isolado.

- Ser mãe de primeira viagem e ter de fazer tudo sozinha é desafiador - confessa Marieli.

Roberta Deconto estava com a cesárea marcada para uma segunda-feira e o seu coração preparado para segurar o filho nos braços no mesmo dia. Entretanto, Mateus teve uma complicação pós-parto: o pequeno pegou uma infecção e passou dez dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em Caxias do Sul.

- Foi um período bem difícil, porque a gente sempre espera ter o bebê e o contato com ele. Isso ainda emociona um pouco - desabafa Roberta Deconto.

Ela não teve contato com o filho depois do nascimento e, devido à recuperação da cesárea, só viu ele dez dias após. Até então, o via somente por vídeos que o marido gravava. Na quinta-feira seguinte, a espera acabou. Mateus se recuperou e a família ficou completa.

- Era tudo o que nós queríamos, estar com a família unida. Aproveitamos cada momento, cada choro, cada mamada era uma realização.

Em sua casa, Roberta não recebeu visitas por um mês, porque a imunidade de Mateus e a dela estavam baixa. Agora, três meses depois, seguem sem receber visitantes, além dos familiares mais próximos.

Quando Roberta Moretto estava no hospital para ganhar sua bebê, fez videochamadas com toda a família. Foi a solução encontrada para ter perto o apoio das pessoas amadas durante um período em que impera a necessidade de manter distância. As visitas também não chegaram na casa de Roberta.

Agora, depois do nascimento da Anna Luiza, os cuidados permanecem. Roberta, que é técnica em enfermagem, orienta os pais a higienizarem adequadamente as mãos antes de segurarem a filha.
- A gente sempre teve esse cuidado, mas o medo fica - diz Roberta Moretto.

 
Apoio da família

Para Roberta Moretto, voltar ao trabalho assusta. Assim que retornou às atividades no hospital, em janeiro deste ano, contraiu covid-19.

- Foi bem assustador ter que voltar e saber que ainda há casos. Na verdade, o pior da pandemia aconteceu em março, estar com a pequena em casa e ter que trabalhar foi bem complicado - fala.

Nessas horas, em que a mulher passa a conciliar os seus muitos papéis (o de trabalhadora, o de esposa, o de amiga) com o recém adquirido papel de mãe, ter o apoio de outras pessoas é fundamental.

- Minha mãe foi o meu braço direito, até porque não tinha ninguém que a gente tivesse coragem de ter contato - declara.

Roberta Deconto trabalha por meio período em uma loja. Nesse tempo, sua mãe é quem cuida do Miguel, de quatro anos, e do recém-nascido Mateus.

Marieli também sente dificuldade de conciliar o trabalho com a maternidade. Ela trabalha meio período no seu salão de beleza. Nesse tempo, deixa o filho aos cuidados de uma babá.

 

A nossa principal preocupação, agora, é com a educação do Miguel.

— Roberta De Conto

 
Socialização e distanciamento

Além do trabalho, Marieli apresenta a preocupação de que o filho não está socializando.

- Ele teria que estar indo para a escolinha para aprender, há as atividades adequadas para o desenvolvimento dele, mas por outro lado tenho medo que ele venha a pegar o vírus ao ter contato com outras crianças. Ele não tem convívio com outras pessoas. É uma criança que não está aprendendo a socializar - enfatiza.

Para Roberta Deconto, a preocupação principal é com Miguel, de quatro anos, irmão de Mateus, de três meses. Depois de mais de um ano com aulas a distância, em casa, Roberta teme que o aprendizado e a socialização tenham ficado comprometidos.

Roberta Moretto espera que a vacina chegue para todos, para que a filha possa conviver com outras pessoas além da sua família e possa ter vivências comuns antes da pandemia, como brincar com amigos na praça.

- Logo ela já vai estar caminhando e eu preciso que a Anna Luiza tenha contato com outras pessoas - diz Roberta.

 

Amor inexplicável

A pergunta mais difícil de responder, para todas as mulheres, foi sobre o sentimento de ser mãe. A resposta mais comum de se ouvir: um sentimento que não se explica e só quem sente sabe.

- É um amor que você só ouve falar. Todo mundo diz que o amor de uma mãe para o filho é sem medida e realmente é - declara Marieli.

 

"Não sei nem explicar em palavras. O instinto materno fala muito."

— Marielli Marchesini

 

Apesar do amor, ela conta que tornar-se mãe é cansativo e preocupante, sensações que se potencializam com a pandemia.

- É cansativo. Qualquer sintoma diferente já fico preocupada - diz Marieli.

Roberta Moretto não vê a hora de poder compartilhar todo esse amor.

- A gente só espera que volte ao normal e que possa ter o convívio com a família, fazer umas aglomerações com os devidos cuidados - finaliza Roberta.

Galeria de Imagens
Nas fotos acima, Marieli e seu filho Eduardo, com sete meses
Nas fotos acima, Marieli e seu filho Eduardo, com sete meses
Roberta e Anna Luiza, com oito meses
Roberta e Anna Luiza, com oito meses
Roberta De Conto e os filhos Miguel, de quatro  anos, e Mateus, de três meses
Roberta De Conto e os filhos Miguel, de quatro anos, e Mateus, de três meses