Nova Prata, 28 de Março de 2023

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Relatos da internação

Sobreviventes da covid-19 contam suas experiências na UTI e com a reinfecção pelo coronavírus
Mesmo depois da recuperação, sobreviventes enfrentam sequelas físicas e neurológicas
Mesmo depois da recuperação, sobreviventes enfrentam sequelas físicas e neurológicas /

Ao longo da pandemia, em busca de palavras para descrever a gravidade da mesma, nos deparamos com um vocabulário bélico. A União aprovou o orçamento de guerra para 2020, hospitais de campanha foram erguidos e desmontados e profissionais da saúde trabalharam na linha de frente. Para quem contrai a covid-19, ser internado é uma batalha. Significa ser enviado para uma guerra com a incerteza de que vai voltar.

 

A batalha da internação

Juceli Tonon, de Nova Prata, foi almoçar, no dia 02 de fevereiro, e não sentiu fome. Em uma brincadeira que no fundo era um alerta, um colega comentou: “olha que é covid-19!”. E de fato era. Isolou-se em casa e, três dias depois, foi para o plantão no Hospital São João Batista (HSJB), onde foi internado.

Por pressão da esposa, Neide, o pratense foi transferido para Caxias do Sul na quarta-feira seguinte. Somente quando o médico da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) falou “seu caso é grave” que caiu a ficha para Juceli de como a covid-19 pode impactar. Meia hora depois, estava intubado na UTI, onde passou duas semanas. Juceli tem 55 anos e era uma pessoa ativa e sem comorbidades quando contraiu a doença.

 

"Sou feliz por estar aqui, mesmo debilitado, porque estou aqui"

— Juceli Tonon, 55 anos, internado por 18 dias

 

Renata Tremea, de 33 anos, também era assim. Ela é um dos primeiros casos de reinfecção do coronavírus em Nova Prata. Quando contraiu a covid-19 no ano passado, o seu marido ficou internado e ela em casa com o filho. Depois da recuperação, a respiração de Renata piorou e ela sente mais cansaço, o que a impede de fazer exercícios e resultou em ganho de peso. Esse quadro permitiu que a reinfecção a atingisse ainda mais violentamente.

Renata sabia que a reinfecção era possível, mas não achou que aconteceria com ela. Afinal, os casos eram muito distantes do Brasil. - Só quando vi o resultado do PCR acreditei e a ficha caiu. Passava na minha cabeça que eu não queria que a minha família pegasse - conta.

 

Ver a vida por um fio

Quando estava internada, Renata pensava que poderia não acordar no dia seguinte ou precisar de um leito de UTI e não ter.

- Foram os piores dias da minha vida - diz Renata sobre a internação. - Como eu tinha sequelas, sabia que os sintomas seriam mais graves. E a covid-19 é assim, você pode estar bem agora e rapidamente ficar mal - declara.

 

"É horrível ver o colega de quarto sair de lá em uma caixa preta, sem nenhum familiar para se despedir. Respeite as pessoas que estão vivas agora e estão
ao seu lado."

— Renata Tremea, 33 anos, internada por 11 dias

 

Tonon recebeu alta no dia 22 de fevereiro, mesma data em que os hospitais atingiram a lotação máxima em Porto Alegre. Se tivesse contraído a doença uma semana depois, poderia não ter encontrado leitos disponíveis.

- Já me coloquei no lugar dessas pessoas e me sinto fragilizado e ao mesmo tempo preocupado. Tive a sorte de ter um leito, mas muitos agora não tem opção - relata. Juceli ainda tem dificuldades para caminhar, sua musculatura reduziu e ele faz fisioterapia. O que o conforta é saber que muitas pessoas se sensibilizaram com sua internação. - Agradeço às manifestações que a minha família recebeu enquanto eu estava internado. Várias pessoas rezaram por mim, acompanharam o sofrimento da minha família e tentaram de alguma forma amenizá-lo - diz Tonon.

 

Sequelas da doença preocupam quem se recupera

Depois da internação, Renata ainda sofre com sequelas neurológicas, como esquecimento e dores de cabeça. Ela também faz acompanhamento médico constante, sua respiração piorou e precisa tomar medicamentos diariamente. - As pessoas têm que ter em mente que quando passa a covid-19 não fica tudo bem, pode ser pior ainda - alerta Tremea. Além das sequelas, Renata não pode mais trabalhar e tem um filho pequeno. Equilibrar tudo isso é, também, um desafio psicológico. Ninguém é forte o tempo todo.

- Medo a minha família sempre teve. Procuramos nos cuidar e evitávamos ao máximo sair de casa - informa Juceli. Ele se preocupa porque sua imunidade está baixa e não quer contrair coronavírus novamente.
- O vírus ainda existe - reafirma Tonon. Embora pareça óbvio, ainda há quem ignore a situação.
Negacionismo da pandemia gera revolta

Para Renata, saber que existem pessoas que não acreditam em seu sofrimento a entristece. A esses, ela faz um apelo:

- Não minimizem. Quem acha que a covid-19 não é grave só vai entender quando passar por isso na família, quando perder um parente ou tiver que dar apoio a alguém pelo resto da vida - frisa.

Juceli ecoa as palavras dela, direcionadas aos jovens:

- Eu diria aos jovens que, se eles não estão preocupados consigo mesmos, tudo bem. Mas eles têm uma família quando voltam para casa e é provável que transmitam para seus parentes. Até que não acontece dentro de casa, muitos não se preocupam, mas quando o vírus bate na porta é que se vê a realidade - pondera.

Tudo vai passar. Jantares, festas e reuniões com pessoas queridas voltarão a acontecer um dia. Até lá, nos resta cuidar de nós e dos outros. Em cada uma das batalhas pessoais contra a doença, só um dos lados pode sair vitorioso: ou o vírus ou nós.