Veranópolis - Rui Steglich, médico
“Os fatores que levaram a esse momento mais crítico foram, primeiro, a irresponsabilidade e o egoísmo das pessoas por não se sentirem ameaçadas pelo vírus. Deixaram de proteger a si e aos outros, com mais idade, debilitados e de saúde mais frágil.
A segunda questão que mais me marcou foi a politização de uma crise, de uma catástrofe, em vez de caminharmos juntos para aumentar as forças e os resultados, que se dividiram para satisfazer os interesses pessoais, como o desvio de verbas destinadas à pandemia e consequente falta da vacina, de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e de respiradores. A pouca eficácia de planejamento, de controle de um momento que já se sabia que ia acontecer e não foi investido nada nesse ano que passou. Outro fator é a demora da vacina para a população, que está permitindo haver mutações virais. Agora, com esse vírus muito mais contagioso e agressivo, fazendo com que a doença evolua mais rapidamente os sintomas de leves para graves em pouco tempo.
O que me marcou na pandemia foi a parceria e o envolvimento dos colegas médicos e das equipes de assistência à saúde, que não têm medido esforços nos cuidados com os doentes. A gratidão e o reconhecimento das famílias e da sociedade com os profissionais envolvidos. O que me marcou também é o egoísmo e a inconsequência de muitas pessoas com relação aos cuidados preventivos. Além do sofrimento de tantos familiares que perderam seus maiores afetos, seus maiores amores, sem poderem, ao menos, ter uma despedida digna.
Um dos períodos mais difíceis da pandemia foi o início há um ano, quando estávamos recebendo as informações sobre outros países europeus e começamos a nos preparar para o enfrentamento do inimigo completamente desconhecido. E agora, quando todas as previsões e os medos se tornaram reais, na fase do lockdown, aumentaram exponencialmente o número de contaminados, o de mortos e a incidência aumentou em pessoas cada vez mais jovens, com menos comorbidades ou doenças associadas. Vivemos em tempos muito difíceis, estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance e vemos um número cada vez maior de pessoas perdendo sua vida para esta peste.
Tivemos também que cancelar as cirurgias eletivas, reduzir o número de internações para o aumento do atendimento dos pacientes covid-19 devido à alta demanda e à maior gravidade dos casos.
Quanto às vacinas, é o que se tem de maior argumento e embasamento no controle do vírus. Elas foram desenvolvidas e estudadas em pouco tempo devido à urgência, saturação e mutação, as quais seguem os princípios tecnológicos de todas as outras vacinas com décadas de uso.
O que aprendemos com tudo isso? Aprendemos lições de humanidade e humildade. Que quanto mais estudamos, mais temos a aprender. Por maior que seja o nosso sofrimento sempre teremos alguém para consolar. Há pessoas que preferem viver na ignorância e dar ouvidos a informações de redes sociais, sem fontes seguras, ao invés de dar atenção a orientação dos especialistas e profissionais capacitados.
Muito tem de ser feito no combate da pandemia. Ainda temos que aprender e evoluir para chegar ao controle total desse vírus. São imprescindíveis os cuidados preventivos, evitar aglomerações e usar álcool gel. Temos que acelerar o processo de vacinação para evitar as mutações virais. Quanto mais cedo for diagnosticado e iniciado o controle terapêutico, melhores serão os resultados e os desfechos de cada caso.
É certo que estamos diante de um período de mudanças. A covid-19 foi e será um divisor de águas em muitos aspectos para a sociedade. Sem dúvidas estamos testemunhando um novo capítulo da história da ciência e da saúde.”
Nova Bassano - Olcimar Pelle, médico
“Um dos períodos mais delicados foi quando começou a pandemia e no momento em que realizamos o primeiro diagnóstico de paciente com covid-19 percebemos que esta havia chegado até o nosso município. Também houveram outros momentos delicados, principalmente quando estávamos com o Hospital Nossa Senhora de Lourdes lotado, mais de 20 pacientes internados, alguns com necessidade de ventilação mecânica e sem previsão de vagas.
O que mais me marcou neste período é a preocupação das pessoas quando recebem o resultado positivo da covid-19. Algumas encaram com uma certa naturalidade aparente, mas sempre com aquele medo do que pode vir a acontecer e outras situações que também marcam bastante é quando temos a perda de um paciente. Enfrentamos a morte diariamente, mas parece que essa doença criou um estigma nas pessoas e quando alguém falece temos a sensação de que é uma vida roubada.
Realmente espero que estejamos vivenciando o pior momento, já estamos em colapso, então se a situação se agravar ainda mais, será muito difícil de enfrentarmos. O que levou a isso, acredito que tenha sido o período de férias, praia, viagens e o próprio carnaval. Percebemos que em alguns outros eventos, como aconteceu nas eleições, quando surgiram os surtos e no carnaval, apesar de não terem acontecido as festas, mas por ser um feriado mais prolongado as pessoas viajaram e foi o que colhemos uma ou duas semanas depois.
Apesar das perdas que tivemos, aprendemos a lidar com situações desconhecidas por se tratar de uma doença nova, sem medicamento eficaz, muita controvérsia sobre o tratamento precoce ou não, os tipos de remédios e quando nos deparávamos com um paciente ruim não tínhamos muitas armas para lutarmos contra essa doença. Íamos apagando incêndios.
Sobre a questão das vacinas, ainda não temos como prever a eficácia de uma ou de outra, estamos lutando com as armas que temos. As que estão sendo aprovadas pela eficácia e confiabilidade razoável tem sido usadas. Acredito que a própria doença venha nos dar imunidade, sendo uma complementação da vacina, pois esta irá auxiliar a produção de anticorpos que precisamos. Já passei pela covid-19, fui vacinado e acredito que a vacina venha sim a auxiliar e provavelmente seja a solução da pandemia.
A situação não está bem, por isso não podemos relaxar, apesar de estar sendo difícil a vivência das pessoas com essa pandemia, a economia indo mal, a população precisa tomar consciência e evitar o que for possível, como aglomerações e festas, pois sabemos que nestes momentos é que acontecem os maiores números de contaminações. É preciso que se conscientizem disso para que a economia volte a girar, as escolas retornem com as suas atividades e para termos o mínimo de normalidade na nossa vida”.
Veranópolis - Waldemar De Carli, médico
“Tivemos dois momentos neste um ano de pandemia extremamente delicados. O primeiro foi no início, quando começamos a estruturar os nossos serviços de saúde sob uma perspectiva muito sombria que se aproximava. Foi o trabalho inicial, a preparação de toda a estrutura, seja ela ambulatorial ou hospitalar. O segundo momento, sem dúvida nenhuma, é o que estamos passando agora, os meses de fevereiro e março, onde tivemos casos com maior gravidade sendo direcionados a leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), que se esgotaram. Tivemos que fazer uma segunda adaptação, que é o tratamento dos pacientes intubados. Claro que os nossos hospitais, graças à preparação inicial, puderam fazer um atendimento de qualidade nesta situação atual extremamente grave.
Fatos marcantes da pandemia
O que mais me marcou foram dois sentimentos muito opostos: o descaso que algumas pessoas se comportaram diante da situação de calamidade na saúde pública e o segundo, que é o mais importante, o engajamento dos profissionais da saúde, que trabalharam arduamente, deixando, inclusive, de visitar as suas próprias famílias. Não falo somente da dedicação de médicos, mas de enfermeiros, auxiliares de enfermagem, nutricionistas, psicólogos, pessoal da higienização e da cozinha. Engajamento extraordinário dos profissionais da saúde, essa é a lição mais positiva que tivemos nessa pandemia e o reconhecimento da maior parte da nossa comunidade.
Certamente o que levou a esta complicação maior no número de casos foi o comportamento inadequado das nossas comunidades em um período de festas de verão, de praia, momento em que as pessoas mais confraternizam e essas ações foram feitas sem o devido cuidado, além da cepa variante. Já temos transmissão comunitária destas cepas novas, especialmente a de Manaus, que é mais transmissível, contagiosa, grave e mais letal.
"A verdade de hoje pode não ser a verdade daqui a 15 dias."
—Waldemar De Carli, médico
Médico e gestor público
Estou administrando essa questão como gestor público e como profissional da saúde, totalmente engajado na linha de frente no tratamento da covid-19. Enfrentamos uma série de situações novas, uma doença desconhecida que leva pacientes de forma muito rápida para UTIs, sendo que metade deles não consegue sair deste momento crítico e vai a óbito. Aprendemos a lidar com a dor das famílias e com o tempo fomos adquirindo conhecimentos sobre a doença, apesar dela se modificar constantemente. A verdade de hoje pode não ser a verdade daqui 15 dias. Mas acredito que todos os profissinais procuraram ficar atentos a todas as recomendações disponíveis e cada um tomou a sua conclusão para fazer o tratamento que acha o mais adequado. É uma lição para todos nós. Como hospitais terciários, nos defrontamos com uma situação de entidades hospitalares de alta complexidade. Também ficaram aprendizados para a parte administrativa e de manejo desses pacientes mais graves dos nossos hospitais. Graças às doações, valores que vieram de emendas ou os direcionados especificamente pelas Prefeituras foram utilizados para a aquisição de equipamentos de alta tecnologia que irão nos ajudar em outras situações que poderão acontecer no futuro.
Vacina
A melhora dessa pandemia vai acontecer com a vacinação e aguardamos ansiosos pela sua chegada. Temos três tipos, todas elas, a princípio, nos ensaios da fase 3 mostraram a sua eficácia e esperamos que se consiga vacinar boa parte da população. Temos uma experiência de mais de duas mil pessoas vacinadas e não aconteceram reações maiores a este procedimento. O que começamos a discutir é que com o surgimento de novas variantes e quanto mais essa pandemia se prolongar, mais variantes irão surgir, isso pode colocar em risco a eficácia dessas vacinas, mas vamos ser otimistas e acreditar no melhor. Todos os municípios, estados e União estão direcionando esforços para que as vacinas cheguem o mais rápido possível. O problema é global. Não existem tantas vacinas que possam ser aplicadas de uma hora para a outra, é preciso ter um pouco de paciência. Acredito que quando conseguirmos vacinar as pessoas acima de 60 anos, daremos um passo gigantesco para que tenhamos menos casos graves, menos pacientes internados em UTI e, consequentemente, a diminuição de óbitos.
Medidas devem continuar
Solicito às nossas comunidades para que continuem com as medidas extremamente eficazes e fáceis de serem realizadas: uso de máscara, lavar as mãos, utilização de álcool em gel e distanciamento social, questões essenciais, juntamente com a vacinação, para que consigamos controlar a pandemia. Fica esse apelo!”
Nova Prata - Guilherme Savaris Schossler, médico.
“Os momentos mais delicados foram o começo, onde tudo era novidade e gerou pânico, e agora este período que estamos passando, sem vagas em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para destinar os pacientes graves, além do grande número de pessoas contaminadas.
O que mais me marcou foram as experiências vividas com as famílias. São tantos momentos, entre tristes e de alegria, significando uma divisão de sentimentos. Hora triste por alguém que não resiste ou não está bem, hora pela alegria do paciente que sai da UTI e recebe alta. Ver e viver essas oscilações de emoções com certeza será inesquecível.
Estamos nesta situação por vários motivos, dentre eles: distorção de informações levando à confusão no entendimento das pessoas, lentidão na vacinação e também as aglomerações que foram em excesso e de forma completamente irresponsável por uma parcela da população, que não é a maioria. O problema é que acabam disseminando o vírus e o mesmo contamina pessoas que se cuidam.
A pandemia está trazendo inúmeros ensinamentos, principalmente relacionados ao espírito de grupo, ao sistema de saúde, que sairá mais fortalecido pela aquisição de equipamentos, e o aprendizado das equipes, mas o maior de todos é o quanto foram reforçadas as relações médico e paciente, pois a pandemia permitiu também que entre estes surgisse uma relação de amizade.
As vacinas, ao longo dos anos, são a única forma de combate preventivo aos vírus que conhecemos, assim como foi com a H1N1 e será com a covid-19, mas por ser uma doença nova ainda teremos que melhorar as vacinas para aumentarem a sua eficácia. Atualmente, as que temos nos países em fase avançada de vacinação reduziram muito o número de casos novos, colocando o Brasil no topo entre os países com maior número destes casos. Recomendo sim as vacinas e pelo programa de vacinação que estamos fazendo não detectamos efeitos colaterais significativos.
Pedimos a todos que entendam que a doença existe, em alguns pacientes é grave, pode levar à morte e, além disso, está deixando muitas pessoas sofrendo com a síndrome pós-covid-19.”